Ah, meu amor, remeto-te de longe o beijo que me cala inteiramente por dentro.
Pretendo livrar-me do sabor amargo do Anseio que não me deixa...
Desejo despir-me plenamente da tua lembrança, que assombra minhas noites de sono,
e rouba a calmaria dos sonhos tranquilos.
Um beijo, amor, sinta-o no vento.
Deguste-o com o prazer com que tomarias vinhos caros, se os tivesse ao alcance, e em taças bonitas.
Devore-o, com a mesma intensidade de quando a fome apetece o estômago de manjares.
"E nesse beijo, amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!"
Guardo os versos mais lindos que te fiz!"
Remeto-te amor, os versos insanos da saudade.
Os que como adagas maceram o peito, esmigalhando as certezas e vontades,
e me mantém cativa de um sentimento cruel.
Adoraria desvencilhar-me da dor malcurada que me preenche desta nostalgia ingrata.
Um verso, amor, ouça-o no vento.
Ausculte-o com a curiosidade com que saltarias do abismo, para exibir as asas ao desconhecido, e voar!
Aceite-o, com a mesma benevolência apresentada por um soldado condecorado.
"Posso ouvir o Vento passar,
assistir a onda bater,
mas o estrago que faz, a vida é curta pra ver..."
E a vida, percorre os segundos, se valendo deles, como garantias de eternidade.
Mas sei, sei, que o tempo passa para a matéria que se desintegra,
a cada instante de desespero.
Sobra muito medo, que corrói os neurônios, com a mesma velocidade inoportuna
com que as ondas atingem a areia.
No vaivém sem fim dos átomos, e da energia infinda do universo,
minhas idéias se desfazem, e se reconstróem...
Meus sentidos, informes, não fazem falta,
tanto quanto os versos que te dediquei um dia.
Nem o beijo que te dedico, como mortalha de um sentimento morto.
Um beijo, amor,
Um beijo, e um verso...
"Os beijos por escrito não chegam a seu destino.
Bebem-nos pelo caminho os fantasmas."
Citações: Florbela Espanca, Los Hermanos, Franz Kafka, respectivamente.
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