Somos o asqueroso fato que
macula a realidade. Somos o asco, a nojenta sensação de sujeira, de demência, de
náusea. Somos como o beco urinado, como o sanitário abarrotado. Somos o pênis
sujo, os lençóis encharcados de suor azedo. Somos o câncer, a chaga, a
ferida... Mornos, como o vômito regurgitado com força. Amargos, como o gosto
que deixa na boca. Nas nossas, nenhum beijo, nenhum carinho. Só o acre sabor
das palavras de fel! Somos um vazio profundo e letárgico. Um tamborilar de sons
irritantes. Somos as pedras nos caminhos e sapatos. A incômoda sensação de
desconforto. A dor no peito de um cardíaco, a vontade inata de cagar quando não
se pode... Apertamos nossas carnes num espaço inabitável. Esprememo-nos numa realidade
que não nos cabe. Mutilamo-nos, desconstruímo-nos, e nos afastamos, ao mesmo
passo que nossas partes parecem fundir-se. E somos esse cheiro de carne
queimada. Uma carne viva, ensanguentada e pulsante. Somos o último suspiro do
moribundo. O oco da cova putrefata. Um caiado sepulcro escuro. A inverdade que
impera e o caos. As pessoas que mais se amaram no mundo, e ainda assim, as que, com toda
a certeza, menos se amaram.
05/08/2014