Não sei até onde as despedidas são necessárias. Às vezes, há uma necessidade inexplicável por despedir-nos. Talvez, nesses momentos de angústia, inconscientemente tenhamos certeza de que dali a diante, nos tornaremos um novo ser.
Fechamos os olhos, e os abrimos possuindo longas asas. Nos livramos de um exoesqueleto enrigecido, e encaramos o mundo com a musculatura mole e desprotegida.
Despedimo-nos de nós mesmos, e das lágrimas que passam a habitar o dia anterior, assim que amanhece. E cada dia, somos os que dormiram, e sonharam. A cada novo instante, somos os que viram, e os que pensaram. Os que aprenderam, e os que esqueceram.
Seremos sempre um pouco mais do que ontem, do que antes, e logo, muito mais do que agora.
Gostaria de saber por que despedidas são tão necessárias. Como a cada instante que a vida se mostra repentinamente mudada. Quando o destino apresenta uma curva, e o lá fora parece tão perto.
Os caminhos mostram-se em constante construção, e temos consciência de que não sabemos seu rumo, e seu fim. Sabemos apenas que nossos pés anseiam por percorrê-los.
E o horizonte que nos vê de frente, a cada dia, nos vê como outros.
Despedimo-nos dos outros, a cada boa noite, e para sempre. A cada novo dia, mais horas adicionadas à vida. Seremos sempre os que experimentaram, ou os que temeram; os que arriscaram, ou os que retrocederam.
Por isso, aqui me despeço.
Não como quem vai para longe, ou como quem vai se ausentar por longo tempo (mesmo que isso me pareça uma metáfora apropriada). Despeço-me como quem deixará de existir.
Amanhã, já não serei o que sou hoje, mas uma outra coisa ainda sem nome, e que talvez, nunca o terá.
E despeço-me, pois dali a um instante, já vós, meus leitores, serão outros, tão diferentes quanto foram ontem, ou antes, ou o são agora.
E enfim, as velhas coisas que se acostumem à antiga cara, de nova dona!
"E assim, chegar e partir..." (M. Nascimento / F. Brant)